Friday, August 31, 2007

Tenho certeza

De que a alma da criança fica pro lado de fora. Contorna o corpo, elástica, flexível. Enche elevador, não mora em apartamento. Alma de criança é espaçosa. A criança cresce pra caber a alma dentro. Vez em quando alguma coisa acontece e acontece de ficar pra fora. Raramente, não é toda hora. Mas acontece. Aí, entra você. Que é uma coisa assim, que só vendo. Que não cabe na imaginação de ninguém. Nem de criança.

Monday, August 13, 2007

Esmola

Ele manca para mim. Até mim. Estica o sorriso e a mão espalmada.
Tiro uma moeda do bolso, entrego e agradeço:
– Obrigado.
– Por quê?
– Fiz mais bem pra mim que pra você.
Ele sorri, ele não entende, ele manca.

Thursday, August 2, 2007

Ela pergunta

– Você só escreve sobre coisas tristes?
– Escrevo sobre mim.
– E quando você está feliz?
– Boto os verbos no passado.

No fundo

A primeira pancada levanta um taco do chão da sala, ele sente-se bem. Poeira e purpurina, lascas de madeira e confetes acompanham o batuque da pá. O cimento esfarela docemente. A terra seca é furada, uma, duas, dúzias de vezes. Os braços queimam, o suor escorre-lhe pelas costas, pelo rosto, os olhos ardem por um novo motivo.
Ele sorri, exaurido. Sente o corpo pesado, relaxado, pulsante. Sente o corpo. O buraco é estreito e tem pouco mais de quinze centímetros de profundidade. Ele só caberia ali aos pedaços.
Tudo bem, será fácil de tapar quando chegar a hora.