Thursday, October 8, 2020

Cachorro quando acorda

chacoalha o mundo pelo rabo. Lambe a cara de quem deixa. Pula, cheira, explora. Percorre o quintal em alta velocidade, assusta passarinho, foge de samambaia, faz xixi em capim santo. Vasculha a casa e celebra cada pessoa que encontra como se fosse uma grande supresa. Ignora resmungo, ramela, mau humor e ressaca. Tromba, pula, coça, arranha, gira. Mostra a barriga pro mundo. 
A família finge que não vê e segue tomando café devagar. 
Como se ele não tivesse toda a razão.

Pensando que já era hora,

ela decide se reconectar com o – agora apenas – colega de trabalho. 

Há três mesas dali, ele já não parece tão distante quanto tem estado nos últimos tempos. Tem os olhos fixos na tela grande, beberica um café velho e ostenta o fone caro na cabeça. 

Para não dar importância demais à coisa toda, ela planeja um ato espontâneo. Aproxima-se de mansinho, captura o fone e aproxima do próprios ouvidos.

Ele levanta apenas os olhos vazios. 

Alguns longos segundos se passam até que ela reconheça a reprodução da própria voz. 
Numa mensagem de áudio, ela lê uma longa lista de compras para uma viagem que eles não chegaram a fazer.